Como a Mídia e o Governo falham na abordagem de casos como o de Suzano
- Pedro Lacerda
- 16 de mar. de 2019
- 5 min de leitura

Esse é o último tema que eu gostaria de estar abordando, tanto por não sentir que sou a melhor pessoa para falar sobre quanto por não ter sido o que imaginei escrever sobre quando criei esse blog, mas nos últimos dias eu tenho visto muitas coberturas sobre o caso de Suzano que tem me causado um enorme desconforto e senti que precisava dizer algo. Então vamos lá.
Imagino que não tenha uma pessoa no Brasil que não tenha escutado sobre os dois jovens que entraram uma escola em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, e atacaram diversas pessoas conseguindo matar dez, entre funcionários e alunos. Desde então todo e qualquer jornal, de TV, impresso ou virtual tem explorado ao máximo esse acontecimento, reportando todo e qualquer novo desenvolvimento do caso. O que é importante, mas tem sido feito da pior maneira possível.
A esse ponto os nomes e rostos dos atiradores devem estar em dezenas de reportagens em diversos veículos de comunicação brasileiros e estrangeiros, o que certamente era parte do plano dos dois. Eu estou longe de ser um especialista na área, mas infelizmente com a quantidade de ataques semelhantes nos Estados Unidos e em outros países, não é preciso ser um especialista para entender as motivações básicas por trás de ataques como esse. Na maioria das vezes são jovens, garotos que sofreram algum tipo de abuso em casa, na escola ou em ambos, que se sentem impotentes e injustiçados. Algo com o qual a maioria das pessoas pode simpatizar, todo mundo já sentiu raiva, mas em casos como esses são pessoas frágeis que acabam tendo contato com discursos violentos que simplificam tudo que existe de errado no mundo colocando a culpa de grupos de religiões, etnias ou gêneros diferentes. Não é à toa que a maioria de atiradores e terroristas domésticos são brancos, facilmente atingidos por discursos de supremacia branca com mensagens sobre como a sociedade está em risco por aceitar religiões além da base cristã, colocando mulheres no mesmo nível de homens, conseguir emprego ficando mais complicado por imigração e outras racionalizações simplórias que mesmo completamente erradas, são mais fáceis de entender do que as raízes reais do problema.
Então nós temos pessoas, em grande parte jovens, mentalmente instáveis e extremamente influenciáveis, muitas vezes abusados buscando não só algo que faça sentido de tudo que sentem, mas também uma maneira de expressar todos esses sentimentos. Esses mesmos jovens se deparam com uma extensa cobertura de atentados prévios, exibindo os rostos, nomes e histórias dos responsáveis como se, na percepção deles, fossem heróis de uma causa, a resposta tão esperada. Até por isso que muitos autores de ataques costumam frequentar fóruns de internet cheios de pessoas com delírios de que ataques como esses são maneiras de defender os bons costumes, lutar pelos seus direitos. E infelizmente esses fóruns se tornaram parte da cobertura problemática da mídia brasileira quando um apresentador da Record fez questão de divulgar o endereço, o que é basicamente marcar um X vermelho para onde simpatizantes devem ir.
O papel do jornalismo deixou de ser apenas reportar décadas atrás, é importante pensar em como reportamos influencia os acontecimentos e as pessoas envolvidas. É completamente possível relatar ataques como o de Suzano sem mencionar os nomes dos responsáveis, sem estampar seus rostos em fotos claramente tiradas para servir de material de divulgação e o mais importante, sem divulgar suas motivações fazendo uma propaganda para os meios virtuais e físicos que ‘’conquistam’’ essas pessoas. Porém não é só a mídia que está errada, o governo falha tanto antes quanto depois de atentados como esse. Não é a primeira vez que uma escola ou estabelecimento público no Brasil é alvo de ataque por pessoas desequilibradas ou com agenda baseada em discriminação. Mas quantas escolas possuem atendimento psicológico, profissionais atentos e preparados não só para abordar mas ajudar alunos, professores e outros membros da equipe? Digo isso como uma pessoa que cresceu com uma raiva enorme por traumas em casa, na escola e sempre sentindo que ninguém queria ajudar a resolver esses problemas, mas só silenciar a situação e fingir que está tudo bem, ‘’aperta a mão e cada para o seu canto, sem brigar mais’’. E quando o dano está feito voltamos a buscar a resposta mais simplória; se os professores tivessem armas, se não fossem os videogames violentos, são as músicas.
Pessoas desequilibradas e tomadas por ódio jogam sim jogos violentos, mas porque expressam o que eles já sentem, não porque motivam suas ações. Então se torna mais fácil culpar um jogo do que admitir que o Estado falhou na prevenção, de identificar riscos, identificar abusos, que sequer tentou. E não, tentar não é jogar crianças em um manicômio, é identificar os problemas, suas origens, tratar — parece que estou me repetindo, mas não parece que escutam —, e sim, se o crime for cometido, punir.
Então de um lado temos um governo que não presta atenção nos sinais, que não ataca os núcleos nos quais os discurso de ódio e violência são propagados e não presta assistência aos frágeis e influenciáveis. E do outro uma mídia que não mede a maneira como conta histórias, sem se preocupar se está dando aos criminosos o que queriam, se preocupar se está passivamente servindo como meio de divulgação e recrutamento. E isso tanto vale para grandes jornais e pequenos blogs quanto para posts individuais no Twitter, Facebook e outras redes.
Não vai ser a primeira vez que vocês vão ler isso, até porque tem circulado muito nos últimos dias, mas tudo isso me lembrou aquele episódio do Super Choque no qual um garoto cansado de apanhar e sofrer bullying resolve levar uma arma para escola e se vingar. Um exemplo muito mais simples do que aconteceu em Suzano, mas a base é a mesma, abuso e raiva ignorada e não tratada. Ninguém precisa ser herói e se jogar na frente de uma bala, mas já passou da hora da gente começar a prestar mais atenção nas pessoas a nossa volta, pensar mais em como afetamos elas seja com as nossas ações ou nosso silêncio. Não é sobre ajudar alguém que quer fazer mal aos outros, é sobre impedir que situações cresçam para algo incontrolável. E não, mais armas não vão resolver a situação, mais atenção pra quem precisa sim.
Por fim, queria deixar o link do vídeo de alguém que falou um pouco melhor do que eu sobre causas e como lidar com situações assim, usando esse episódio do Super Choque como exemplo.






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